Na realidade, os maus hábitos, junto com o estresse diário, restringem o fluxo natural da respiração, do mesmo modo que afetam a liberdade de movimentos. A respiração permanece dissimulada, e somente em momentos de perturbação incomum, medo ou esforço exagerado percebem-se as suas deficiências. Para o músico, a respiração é de suma importância, já que não deixa de condicionar a maneira de tocar, positiva ou negativamente. Não pode ser ignorada e o aluno deve aprender a utilizá-la a todo momento.
A vida começa com a respiração. É algo tão básico em toda atividade, e em toda a arte musical, que se faz essencial tê-la presente enquanto tocamos. A respiração deve ser suave, não forçada, e precisa continuar tranquila, inclusive durante os movimentos mais intrincados que implica a prática do violino (Menuhin, 1971, p. 17).
Podemos atestar que respiração e descontração são plenamente inseparáveis e que não é possível ocupar-se de uma sem considerar a outra. Observa-se que, como assinala Hoppenot:
Alguns músicos podem sofrer em maior medida os prejuízos de uma tensão excessiva, enquanto outros padecem com uma respiração incômoda. (…) O que é preciso saber, para uma possível melhora, é que é necessário considerar o duplo aspecto do problema, já que, normalmente, só se percebe uma parte dele (Hoppenot, 1991, p. 130).
Segundo Black (1996, p.30), “a respiração mantém igualmente uma relação com a tensão física ou com o estresse corporal, já que, quando os músculos estão relaxados, ela torna-se mais profunda e mais lenta”. Assim, quando o instrumentista acumula tensões e crispações, impedindo o relaxamento muscular direcionado dos pulmões para baixo, provoca o inconveniente da separação e da divisão do fluxo respiratório. Esse é um dos pontos importantes para a compreensão de que o uso correto da respiração favorece o relaxamento dos músculos e melhora a sua efetividade. Aqui, pode-se verificar que violinistas e violistas nem sempre estão conscientes do verdadeiro problema, atribuindo o mal-estar respiratório a uma carência técnica, que lhes paralisa ou bloqueia. Na realidade, é o contrário: a técnica instrumental seria amplamente beneficiada com uma respiração adequada.
Os instrumentistas de corda utilizam somente uma pequena parte da sua capacidade pulmonar e não apreciam as incidências consideráveis da respiração na execução musical. Esse problema não acontece, em contrapartida, com os cantores e com os instrumentistas de sopro, que conhecem muito bem a importância de uma colocação correta da respiração, fundamental para conseguirem a desejada “coluna de ar”, sem a qual não se obtém uma emissão sonora conveniente. Sem o domínio confortável da respiração, não podem nem frasear e nem fazer música.
Sobre esse aspecto, Devos (1966) estabelece o paralelo entre a coluna de ar, o sopro do cantor e o arco dos instrumentos de corda. Para estes últimos, pode-se admitir que a expressão na execução instrumental se realiza, pelo menos, por 2/3 de arco para 1/3 da mão esquerda. Eis o motivo da grande importância dada à técnica de arco.
A respiração permanece ignorada no ensino tradicional do violino, como se fosse exclusividade dos instrumentistas de sopro. Veremos quem é capaz de mencionar a um violinista sua «coluna de ar» (Hoppenot, 1991, p. 131).
No caso do violino e da viola, muitas vezes desconsidera-se que a beleza, a profundidade e a emoção da sonoridade, a expressividade que se consegue por meio do arco, são igualmente o resultado da tranquilidade e da utilização adequada da respiração.
A inspiração seguida da expiração pode ser considerada como uma forma de expansão e contração, que encontra paralelismo na essência do movimento do arco do instrumentista de cordas friccionadas; está recebendo e transmitindo inspiração, o que é a natureza da performance: é tensão e relaxamento (Sanders;Phillips, 2002, p. 633).
Podemos considerar que a importância da respiração está diretamente ligada ao movimento do arco, ao braço direito, existindo, portanto, uma relação entre ambos. A inspiração e a expiração (expansão e contração) são a origem do que chamamos de arco “para baixo” e arco “para cima”.
Partindo do pressuposto de que uma boa respiração é essencial para uma vida saudável, não seria coerente que esse mesmo princípio fosse aplicado ao tocarmos um instrumento de corda? Mas o que seria uma boa respiração? Pela perspectiva da Técnica Alexander2, é aquela na qual, de fato, não precisamos interferir. É a respiração natural, automática. Alguns músicos ainda se sentem incapazes de tocar sem prender a respiração em algum grau. Na maioria das vezes, acabam forçando a respiração de alguma forma para a realização da sua prática musical. Por exemplo, é comum o hábito de inalar exageradamente, provocando um ruído de respiração profunda, no instante de levantar o arco como preparação para tocar; há, ainda, aqueles que forçam sua respiração para acompanhar a estrutura da frase musical, enquanto outros a prendem.
Na realidade, o que a técnica Alexander nos mostra, com o seu século de prática, é que a maioria desses hábitos envolve um arqueamento desnecessário da espinha dorsal, sendo prejudicial para a estrutura de cabeça/pescoço e para a articulação de quadril/pernas. Inevitavelmente, isso reduz a eficácia da sustentação do torso disponível para os braços, fazendo com que os mesmos se sintam pesados e tensionados.
Podemos constatar que a respiração é encarada muitas vezes pelo músico como um estorvo, como um obstáculo a eliminar, e não como um elemento construtivo para a execução musical. É preciso, pois, asseverar a relevância de se ter um ritmo respiratório amplo e distendido, encarado como uma necessidade artística, para a consecução de uma ação musical cômoda e expressiva. Hoppenot diz o seguinte:
Os músicos são tributários da respiração, na metade do caminho entre o subconsciente, na parte inferior e superior do corpo, da parte física e espiritual. Se a respiração é interior, profunda e sossegada, será o suporte de uma energia vital interminável. Do contrário, se ela é curta, mal colocada e inibida, perturbará o metabolismo, paralisará o movimento e bloqueará a relação entre a parte baixa e alta do corpo, impedindo uma comunicação real com a riqueza criativa do nosso inconsciente (Hoppenot, 1991, pág. 130).
Nesse momento, pode-se verificar a necessidade de o aluno observar e perceber certos pontos, como recomenda Black (1996): encontra-se a cabeça bem equilibrada na parte superior da coluna vertebral, ou ela mantém-se em posição de maneira rígida? A mandíbula está em tensão? Encontram-se os ombros ou os braços adiantados ou ligeiramente levantados? O estômago está relaxado? Estão os pés e os joelhos soltos?
Todos esses detalhes podem ter efeitos na respiração, fazendo-a pouco eficaz, comprimindo o sistema respiratório, impedindo que se respire profundamente. Se o músico apresenta uma má postura, os músculos que permitem as mudanças no corpo para inspirar ou expirar ficam reprimidos no seu movimento, impedindo que os pulmões possam se expandir como necessário, fazendo com que a respiração seja realizada através da parte alta dos pulmões.
Limitar a respiração a essa parte dos pulmões, a um simples abrir e fechar das costelas separadas do ventre, causa no músico uma nefasta separação entre a parte alta e baixa do corpo. Portanto, é necessário que a parte abdominal esteja suficientemente livre e distendida para permitir, em cada inspiração, uma leve elevação do ventre, fundamental para a livre ação do diafragma.
Um exemplo claro da relevância da consciência na respiração acontece quando iniciamos o movimento musical em uma peça. A preparação mais natural será inalar suavemente, permitindo que os nossos braços acompanhem tal gesto, e, assim, tocar no instante da exalação, da mesma forma que um cantor o faria. Isso será plenamente consciente na medida em que primeiramente mudemos nossos hábitos. Trabalhar a respiração na forma descrita acima poderá cicatrizar a separação entre nosso corpo, o corpo do instrumento e o corpo da música, permitindo que, a partir dessa conscientização, possamos explorar com naturalidade outros elementos da prática musical.
Na dinâmica do respirar, constata-se que a inspiração consiste na tensão ativa do diafragma, em união com a distensão dos músculos abdominais e pélvicos. A expiração, em contrapartida, produz-se com a tensão ativa dos referidos músculos abdominais, elevando o diafragma, nesse instante, distendido. Portanto, verifica-se que o mecanismo fundamental e natural da respiração, em um estado de distensão, é precisamente a alternância ritmada de contrações e de relaxamento, que empurra a massa abdominal em um fluxo e em um refluxo constantes. Hoppenot esclarece que “o centro do referido movimento, centro da respiração, estará situado, dessa maneira, no ventre e não no peito, onde estão os pulmões, mesmo que esses últimos sejam o âmbito real da função respiratória” (Hoppenot, 1991, p. 133).
Outro ponto relevante sobre a respiração é assinalado por Menuhin:
A correta respiração requer a habilidade de inalar e exalar com suavidade. Para isso, deve-se levar o mesmo tempo na inalação que na exalação, sendo que o tempo para cada uma deve ser tão longo quanto possível. Na prática do violino, a respiração deve ser contínua, evitando-se retê-la (Menuhin, 1971, p. 17).
Menuhin (1971) propõe um exercício respiratório simples para desenvolver a habilidade de inalar e de exalar. Para realizá-lo, senta-se no chão, com as pernas cruzadas uma sobre a outra, as mãos descansando sobre os joelhos, com as palmas para cima, a coluna vertebral bem ereta, o pescoço e os ombros relaxados, o tórax livre e alto. A partir desse ponto, começa-se a respirar suavemente, marcando os segundos decorridos, procurando prolongar a duração de cada respiração.
Bruser (1997) recomenda um outro exercício que se faz sentado em uma cadeira, o tronco erguido, descansando naturalmente sobre os ossos da bacia, os pés bem assentados e firmes no chão, as mãos em repouso sobre as pernas, a cabeça e a face para diante, deixando cair o olhar a um nível confortável, uns 45º para baixo, relaxando os olhos. Nesse instante, mentaliza-se o corpo, da cabeça aos dedos dos pés, para perceber qualquer ponto de tensão, com o objetivo de relaxar conscientemente os músculos, libertando tais tensões. Conseguida a postura anterior, volta-se a atenção para a respiração na exalação. Não será necessário, nesse caso, prestar uma atenção particular à inalação, e sim apenas ao ar que sai. Não será preciso respirar de alguma maneira especial, simplesmente deve-se respirar, mantendo o exercício por pelo menos dois minutos. Segundo Bruser (1997), a respiração para fora, a exalação, é muito relaxante e, normalmente, no dia a dia, não se tem oportunidade de exalar suficientemente. Precipita-se o processo da respiração e, às vezes, ela é retida. Prestar atenção à respiração permitirá uma conscientização desses hábitos.
A importância da expiração deve-se ao fato de que é, por regra geral, a fase respiratória que corresponde ao tempo mais intenso do esforço, à atividade e à continuidade do movimento. Pode-se verificar que, tratando-se de uma exalação prolongada, a mesma estará unida ao trabalho ativo da musculatura exterior do tronco, especialmente a do ventre. Hoppenot (1991) chama atenção para a realidade de que os violinistas não costumam ter conhecimento desse fato e, portanto, no instante de controlar a respiração preocupam-se mais com a inspiração. Inspirar com intensidade sem uma contrapartida adequada na expiração não traz benefícios, já que a inspiração excessiva bloqueia o ar nos pulmões e perturba a naturalidade e a eficiência dos gestos, além de predispor a um estado de insegurança.
Precisamos, portanto, tomar conhecimento de que, ao contrário do que a maioria das pessoas acredita, a exalação, e não a inalação, é a parte ativa no ciclo respiratório. Na medida em que exalamos, contraímos ativamente o espaço dos pulmões, expelindo o ar do seu interior.
Permitir que a inalação aconteça por ela mesma, naturalmente, sem nenhuma intervenção extra, é crucial para desfazer o quadro de tensão que provocamos. Partindo do princípio de que toda inalação é componente chave como resposta clássica a uma situação de ansiedade ou de medo, todo esforço de que dispusermos para diminuir o excessivo hábito de fazer inalações forçadas será um elemento favorável. Começaremos a valorizar a nossa exalação como um poderoso aliado para combater o medo de palco e seu prejudicial efeito, que pode resultar, por exemplo, no tremor do arco. Resumindo, deve-se evitar sempre fazer inalações forçadas e nunca permitir que se interrompa o ritmo natural da nossa respiração. O instrumentista precisará saber adaptar a sua respiração a determinados níveis, segundo as necessidades requeridas e a amplitude do gesto.
Não se deve abordar o concerto para violino de Brahms, que exige uma reserva de energia considerável, do mesmo modo que o final de uma sonata de Mozart, constituído de elementos precisos e delicados (Hoppenot, 1991, p. 134).
Segundo a explicação acima, compreende-se que, em um determinado caso, a inspiração anterior a uma grande respiração implicará o tórax na sua totalidade, com o objetivo de atuar com a força necessária para uma expiração longa. No outro caso, será suficiente uma leve inspiração, mais fraca de início, que resultará mais apropriada para uma expressão do detalhe musical. Mesmo assim, segundo Hoppenot (1991), em ambos os casos a expiração será base para a ação, uma vez que se habilite o gesto por meio da inspiração anterior adequada.
Na sequência, pode-se mencionar um exercício simples, recomendado por Menuhin (1971), para incrementar consideravelmente o controle da respiração e a capacidade pulmonar. Ele consiste em colocar a mão direita contra o nariz, tapando a narina direita com a ponta do polegar e a esquerda com a ponta do terceiro dedo. A seguir, afrouxar ligeiramente a narina esquerda, o suficiente para permitir a entrada de uma fina coluna de ar. Observe-se: (a) inalar pela narina esquerda; (b) exalar pela narina direita, afrouxando o polegar com leveza, enquanto se fecha a narina esquerda com o terceiro dedo – exalar completamente; (c) inalar através da narina direita; (d) exalar através da esquerda. Segundo Menuhin (1971), a destreza desse exercício é medida pela duração de cada inalação e exalação, pela estreiteza da abertura através da qual passa o ar na narina e pelo silêncio com o qual o ar passa. Para o bom controle da respiração, o objetivo será conseguir manter aproximadamente durante quarenta e cinco segundos a inalação e, em um tempo similar, a exalação, realizando o ciclo completo dez vezes.
A seguir, podemos conferir uma tabela com exercícios, que, como ressaltam Rosset e Odam (2010), orientam para saber se de fato respiramos com eficácia.
(Rosset e Odam, 2010, p. 14). | ||
---|---|---|
1. Inspirar o mais profundamente possível. Durante a expiração, contar em voz alta, com clareza e o mais rápido que puder. Até quanto conseguimos contar? | Menos de 60 | Perto ou mais de 60 |
2. Respirar fundo e observar por onde fizemos entrar o ar nos pulmões. | Pela boca | Pelo nariz |
3. Na frente de um espelho, respirar fundo e observar que parte do corpo se expande com maior clareza. | A porção superior do tórax, os ombros e as costelas. | O abdome. |
4. Colocar uma mão no peito e outra no abdome. Respirar e observar a mão que se move primeiro. | A mão sobre o peito. | A mão sobre o abdome. |
5. Respirar fundo novamente e expirar relaxadamente. Assinalar a descrição que melhor represente a sensação resultante. | Respiração entrecortada, difícil, tensa, restringida, superficial, cansativa. | Fluída, contínua, relaxada e profunda. |
Rosset e Odam (2010) ressaltam que, se uma ou mais respostas correspondem à primeira coluna, deve-se tentar melhorar a respiração para potencializar os seus benefícios e o relaxamento. Em contrapartida, se a maioria das respostas encontra-se na segunda coluna, possivelmente já se esteja realizando a respiração abdominal, a mais recomendada.
A respiração abdominal é o método mais natural, que utilizamos quando somos bebês e quando dormimos. Resulta na forma mais eficaz de respirar, permitindo o máximo controle e gerando uma tensão mínima. Recomenda-se, portanto, que se tente sempre usar essa respiração ao tocar um instrumento ou ao realizar qualquer outra atividade diária. Rosset e Odam (2010) indicam como aprender a realizar a respiração abdominal com o seguinte exercício:
- Encher e esvaziar os pulmões lentamente.
- Procurar esvaziar os pulmões completamente.
- Observar como, no final, sempre a tendência é pôr a barriga para dentro para conseguir expulsar todo o ar. Colocar a mão no abdome ajudará a experimentar esta sensação.
- Seguir respirando durante alguns instantes. Não tentar fazê-lo com rapidez, já que será possível experimentar uma sensação de tontura pela excessiva eliminação de gases do sangue.
- Concentrar-se somente na fase final da expiração e prestar atenção em como o abdome ajuda a comprimir os pulmões.
- Concentrar-se seguidamente em inalar ar. O primeiro que se move é o abdome, que se expande para deixar que o ar entre nos pulmões.
- Respirar normalmente, vezes seguidas, sem forçar a expulsão de todo o ar, e tentar estar ciente de que os movimentos abdominais continuam. No caso de que não se consiga isso, devem-se repetir os passos prévios. Em caso afirmativo, recomenda-se seguir praticando esses movimentos respiratórios com a finalidade de que se incorporem à vida diária e não sejam realizados somente durante a prática musical (Rosset e Odam, 2010, p. 15).
Paralelamente à importância do autoconhecimento da respiração, o presente artigo aborda a questão do aquecimento (flexibilidade e alongamento) na prática do violino e da viola.
2 A Técnica Alexander é um método prático desenvolvido por Frederick Matthias Alexander (1869-1955) que ajuda a utilizar o corpo com mais soltura e menos rigidez. Pode ser aplicada nas diversas atividades da vida diária, com o objetivo de reduzir as tensões excessivas, melhorar a coordenação, a fluidez do movimento, o equilíbrio e a respiração.